Bem recebido em algumas escolas, programa norte-americano de
ensino personalizado produz resultados neutros e esbarra em críticas
sobre a qualidade do material didático e a ênfase excessiva em
avaliações
O que você imagina quando ouve a palavra escola? Se o que vem à sua
cabeça é um ambiente em que um professor ensina soma de frações para um
grupo de alunos, sendo que metade assimila e a outra metade fica no
escuro, saiba que o que você visualizou é apenas um dos jeitos de
garantir aprendizagem. Pelo menos é o que afirma o narrador de um dos
vídeos de apresentação do programa de ensino personalizado de matemática
Teach to One (ensino para cada um), lançado em 2009 em Nova York,
recentemente expandido para as cidades de Chicago e Washington, D.C. e
escolhido pela revista Time como uma das 50 melhores invenções daquele
ano.
Originalmente concebido com o nome de School of One (escola para cada
um), o programa foi desenvolvido por Joel Rose, ex-professor da rede
Edison Learning, uma empresa de gestão educacional, e lançado durante a
gestão de Joel Klein, ex-chanceler da rede de escolas de Nova York e
atual diretor executivo da News Corp, fundada por Rupert Murdoch. Para
atender à necessidade de cada aluno, o Teach to One aposta nas chamadas
“modalidades” – são quase como estações de trabalho distribuídas dentro
de uma mesma sala de aula.
Fora da caixa
“As crianças podem aprender em grupos pequenos uns com os outros, com vídeos e games, praticando problemas em um laptop ou com instrutores on-line, ou até mesmo sozinhas, com livros ou softwares”, continua o narrador do vídeo, explicando o conceito de modalidade. O modelo foi construído a partir da própria experiência de Rose como professor em uma turma do 50 ano do ensino fundamental. “Tinha alunos com nível de 20 ano e outros com nível de 80 ano. Trabalhava duro, mas era realmente difícil atender cada aluno,” diz Rose.
“As crianças podem aprender em grupos pequenos uns com os outros, com vídeos e games, praticando problemas em um laptop ou com instrutores on-line, ou até mesmo sozinhas, com livros ou softwares”, continua o narrador do vídeo, explicando o conceito de modalidade. O modelo foi construído a partir da própria experiência de Rose como professor em uma turma do 50 ano do ensino fundamental. “Tinha alunos com nível de 20 ano e outros com nível de 80 ano. Trabalhava duro, mas era realmente difícil atender cada aluno,” diz Rose.
Além de reorganizar a dinâmica e a disposição da sala de aula, o
Teach to One traz para a escola material didático pronto para o aluno e
para o professor (focados no desenvolvimento de habilidades), testes de
múltipla escolha (aplicados diariamente nos estudantes, determinando o
avanço para a próxima lição) e um sistema de correção das provas que
permite ao professor acompanhar a evolução dos estudantes e identificar
possíveis gaps de aprendizagem. Dentro dessa lógica, o “modelo de um
professor com 30 alunos em uma caixa”, segundo Rose, é substituído por
outro no qual os alunos se revezam diariamente não só entre diferentes
modalidades, mas também entre distintos professores. “Em uma sala com
modalidades diferentes é possível ensinar diversos assuntos, e isso
permite a personalização”, explica.
Na prática
Na escola William P. Gray, na região norte de Chicago, as aulas do Teach to One acontecem diariamente durante 80 minutos para alunos de 60, 70 e 80 anos do ensino fundamental. Em uma quarta-feira no final de maio, 120 crianças do 70 ano se amontoavam em frente a um monitor que as direcionava a modalidades específicas. Uma música alta dita que é hora de parar de falar e procurar a estação de trabalho indicada. Ao sentar na cadeira, cada aluno entra em um portal web para saber qual habilidade trabalhará naquele dia (o plano de estudo é montado por um “algoritmo de aprendizagem”, que seleciona diversas lições ao longo daquela aula).
Na escola William P. Gray, na região norte de Chicago, as aulas do Teach to One acontecem diariamente durante 80 minutos para alunos de 60, 70 e 80 anos do ensino fundamental. Em uma quarta-feira no final de maio, 120 crianças do 70 ano se amontoavam em frente a um monitor que as direcionava a modalidades específicas. Uma música alta dita que é hora de parar de falar e procurar a estação de trabalho indicada. Ao sentar na cadeira, cada aluno entra em um portal web para saber qual habilidade trabalhará naquele dia (o plano de estudo é montado por um “algoritmo de aprendizagem”, que seleciona diversas lições ao longo daquela aula).
Em cada ponta da sala, há um professor com um grupo de no máximo 15
alunos (“ensino em grupo pequeno”). Outros seis docentes ficam em volta
para atender os quase 90 alunos restantes, que estudam sozinhos com
livros (“prática independente”), em grupos de até seis estudantes com
laptops (“colaboração em grupo pequeno”), com um tutor on-line
(“instrução remota ao vivo”) ou com softwares (“instrução virtual”).
Segundo o site do Teach to One, o modelo tradicional de ensino, com um
professor para um grupo de até 24 alunos, acontece apenas quando os
alunos apresentaram domínio completo de certas habilidades. De acordo
com a avaliação do projeto piloto do programa (a mais abrangente
realizada até agora, publicada em 2009) as modalidades mais frequentes
no piloto foram as que envolvem a presença do professor (21% – os
autores não deixam claro a quais modalidades se referem) e a instrução
virtual (23%).
Você precisa ser aprovado
Uma volta de quase trinta minutos pelo local permite algumas observações. Naquele dia, não havia aula no modelo tradicional de ensino. Estudantes assistiam aulas pelo computador e faziam diversos testes de múltipla escolha; um deles tinha em sua frente a pergunta “quanto é 13,2% de 1.050?” e usava a calculadora para respondê-la; outro encarava a equação 2a2 – 2b + 3ab e chutava possíveis respostas; um menino dava voltas pelo Google Images enquanto o colega do lado tentava se concentrar em sua lição; os estudantes que aprendiam com os professores nos dois cantos da sala estavam motivados e engajados; uma lousa no centro da sala tinha os seguintes dizeres, com referência ao teste Northwest Evaluation Association Measures of Academic Progress (MAP), aplicado pela secretaria de Educação de Chicago (CPS) em todos os alunos do ensino fundamental: “80 ano – Teste MAP de Matemática – Lembre-se de que você precisa ser aprovado para avançar! – Razões pelas quais você deve se importar com o MAP: escolas de ensino médio saberão seus resultados; os ”scores” mostram o quanto você aprendeu este ano; eu darei donuts para a turma que acertar 80% ou mais na prova”.
Uma volta de quase trinta minutos pelo local permite algumas observações. Naquele dia, não havia aula no modelo tradicional de ensino. Estudantes assistiam aulas pelo computador e faziam diversos testes de múltipla escolha; um deles tinha em sua frente a pergunta “quanto é 13,2% de 1.050?” e usava a calculadora para respondê-la; outro encarava a equação 2a2 – 2b + 3ab e chutava possíveis respostas; um menino dava voltas pelo Google Images enquanto o colega do lado tentava se concentrar em sua lição; os estudantes que aprendiam com os professores nos dois cantos da sala estavam motivados e engajados; uma lousa no centro da sala tinha os seguintes dizeres, com referência ao teste Northwest Evaluation Association Measures of Academic Progress (MAP), aplicado pela secretaria de Educação de Chicago (CPS) em todos os alunos do ensino fundamental: “80 ano – Teste MAP de Matemática – Lembre-se de que você precisa ser aprovado para avançar! – Razões pelas quais você deve se importar com o MAP: escolas de ensino médio saberão seus resultados; os ”scores” mostram o quanto você aprendeu este ano; eu darei donuts para a turma que acertar 80% ou mais na prova”.
A aula foi acompanhada não só pela reportagem de Educação como também
por um grupo de visitantes liderado por Joel Rose. Durante a
apresentação, Rose destacou o potencial do modelo de garantir a
aprendizagem de cada aluno. Segundo a diretora Sandra Carlson, o
programa, que completou um ano em maio deste ano, é bem recebido pela
equipe escolar, pais e alunos. Logo após o fim da aula, na sala de
Carlson, Rose comentava sobre a primeira evidência empírica de bons
resultados. “Você ficou sabendo sobre os resultados dos testes
padronizados?”, perguntou, ao que Goldie Keilin, diretora-assistente
respondeu: “avisamos para que as expectativas não fossem altas para
ninguém se desapontar, mas eles são muito bons!”.
Inglês limitado
Os resultados do teste MAP ainda não são públicos. O CPS também aplica o Illinois Standards Achievement Test (ISAT), exame estadual obrigatório para turmas de ensino fundamental, mas não divulga os resultados dos alunos nas provas – apenas o percentual que atingiu ou ultrapassou as metas previstas em todos os anos do fundamental.
Os resultados do teste MAP ainda não são públicos. O CPS também aplica o Illinois Standards Achievement Test (ISAT), exame estadual obrigatório para turmas de ensino fundamental, mas não divulga os resultados dos alunos nas provas – apenas o percentual que atingiu ou ultrapassou as metas previstas em todos os anos do fundamental.
Entre 2012 e 2013, houve uma evolução de 4,2 pontos no percentual de
estudantes que atingiu ou ultrapassou a meta prevista em matemática (59%
para 63,2%). Vale lembrar que a William P. Gray é uma escola chamada
“ímã” – as crianças precisam se candidatar para terem seu pedido de
matrícula aprovado. De acordo com a assessoria de imprensa do CPS, cada
escola decide os critérios que são levados em conta nesse processo.
Nesta escola, 85% dos estudantes são provenientes de famílias de baixa
condição socioeconômica, 84,5% deles são latinos, 10,6% são brancos e
25% do total tem domínio limitado da língua inglesa.
Um dos aspectos apontados como problemáticos pelo relatório de
avaliação de 2010 do programa (o último disponível no site do School of
One) em Nova York foi justamente seu alcance em alunos para os quais o
inglês não é a primeira língua. Carlson reconhece que seria interessante
ter uma versão em espanhol dos programas, mas diz que essas crianças
estão apresentando desempenho ótimo. A diretora enxerga dois outros
ganhos trazidos pelo programa. De acordo com uma professora que
trabalhava em uma das modalidades naquele dia, cada docente recebe um
plano de aula às 18h do dia anterior (também escolhido pelo “algoritmo
de aprendizagem”) – até esse momento, ele não sabe o que ensinará ou
para quem ensinará. Todos os dias pela manhã, então, os docentes se
reúnem para discutir como atuarão em sala de aula. Essa troca auxiliaria
o professor iniciante.
O outro benefício seria o de que o Teach to One economiza tempo dos
docentes, já que traz as lições prontas e os dispensa da tarefa de
corrigir as provas diárias aplicadas nos alunos. A mesma professora diz
que não escolhe qual lição ensinará, mas sim como a ensinará. “Decido se
preciso de algo mais manipulativo, ou mais visual”, explica. A diretora
acredita que isso deixa o docente mais à vontade para se concentrar nas
necessidades de cada aluno. “Os recursos já estão prontos. Os
professores se concentram em ter criatividade. Eles também recebem
relatórios das avaliações feitas pelos alunos, e podem identificar os
problemas de cada um”, relata.
Modelo caótico
Gary Rubinstein, professor de matemática na rede de escolas de Nova York e autor de dois livros sobre docência, fez parte de um dos grupos que visitou o projeto piloto em 2010. Na sequência, publicou um post em seu blog com duras críticas ao programa. “Eu sou (ou pelo menos era antes escrever este post) próximo de Joel Rose, e perguntei se poderia ir a um dos tours”, escreveu. Rubinstein afirma que o modelo é “caótico” e que poderia se beneficiar muito de uma revisão curricular.
Gary Rubinstein, professor de matemática na rede de escolas de Nova York e autor de dois livros sobre docência, fez parte de um dos grupos que visitou o projeto piloto em 2010. Na sequência, publicou um post em seu blog com duras críticas ao programa. “Eu sou (ou pelo menos era antes escrever este post) próximo de Joel Rose, e perguntei se poderia ir a um dos tours”, escreveu. Rubinstein afirma que o modelo é “caótico” e que poderia se beneficiar muito de uma revisão curricular.
“O que eles estão aprendendo, se é que estão aprendendo matemática,
são habilidades de baixo nível, ou o que chamo de preparação para testes
padronizados”, explica. Durante a visita, ele observou um aluno
respondendo um teste de múltipla escolha que pedia a expressão
matemática da seguinte frase: “x é igual a 5 mais y”. “Mesmo se os
alunos dominarem isso, não diria que é um domínio que ajuda no
entendimento do que a expressão realmente significa. Como professor,
acredito que a matemática é mais do que memorizar fórmulas”, diz.
As preocupações de Rubinstein encontram eco no relatório de 2009 do
School of One. O primeiro dado que chama a atenção é que 35% dos 80
alunos entrevistados (ou 28 deles) afirmou não gostar das avaliações
diárias que fizeram. Entre os educadores, uma das apreensões foi a
ausência de uma conexão explícita tanto das habilidades entre si como
das habilidades com um entendimento conceitual do pensamento matemático.
A publicação cita a fala de um docente que explicita a crítica: “apesar
de soma e divisão de frações estarem conectadas pelo conceito de
denominador comum, o algoritmo trata as operações como diferentes, e faz
com que o aluno as aprenda em momentos diferentes”.
Joel Rose afirma que as 12 mil lições usadas no programa foram
escolhidas de um banco de 55 mil pela organização que atualmente
gerencia o Teach to One: a NewClassrooms. “Para a criação da maior parte
delas, fizemos parcerias com outras organizações. Outras nós
desenvolvemos”, diz. No site do School of One, há a lista das 14
organizações às quais ele se refere. Para realizar suas atividades, a
NewClassrooms recebe doações de instituições como a Fundação
Bill&Melinda Gates, a Fundação Broad, a entidade filantrópica do
banco JP Morgan e o departamento de Educação dos Estados Unidos, entre
outros. De acordo com o jornal The Washington Post, a implementação do
Teach to One em 2012 para uma única sala de uma escola em Washington
custou US$ 1 milhão – US$ 600 mil teriam sido pagos pela rede pública e o
restante pela Fundação CityBridge e o D.C. Public Education Fund.
Impactos do programa
Duas das três escolas em Nova York nas quais o projeto piloto foi aplicado abandonaram o modelo. A reportagem de Educação tentou entrar em contato com a direção delas, mas não obteve retorno.
Duas das três escolas em Nova York nas quais o projeto piloto foi aplicado abandonaram o modelo. A reportagem de Educação tentou entrar em contato com a direção delas, mas não obteve retorno.
Rubinstein diz que conhece o diretor que estava em uma delas à época e
que o modelo era considerado “terrível” pela equipe escolar. Um estudo
publicado em 2012 pela instituição The Research Alliance for New York
City Schools, da Universidade de Nova York, apontou que, entre 2010 e
2011, o programa produziu nas três escolas uma mistura de efeitos
“positivos, negativos e neutros em todas as escolas e séries do ensino
fundamental”.
Usando uma técnica estatística que teoricamente consegue isolar de
outras variáveis a porção do efeito do programa no desempenho dos alunos
em um teste padronizado estadual de Nova York, o grupo de pesquisadores
também descobriu que, para aqueles com baixa performance, o impacto do
programa foi positivo, mas não estatisticamente significante. E que, ao
contrário do que se imaginava, esses estudantes aparentemente não se
encontravam tão atrás dos outros em termos de desempenho acadêmico
quando estavam matriculados nas salas de aula tradicionais. Por esse
motivo, o relatório recomenda um acompanhamento mais profundo e
frequente dessa população de alunos, que extrapole o uso de avaliações
padronizadas.
O efeito do programa para o desempenho acadêmico é apenas uma das
questões que precisam ser averiguadas a partir de sua expansão de Nova
York para Chicago e Washington, D.C. – segundo o site da rede de escolas
de Washington, hoje ele atende 3.500 alunos nas três cidades. Por
exemplo: qual o papel do professor dentro de um sistema em que
algoritmos de aprendizagem selecionam aulas quase prontas e no qual
computadores fazem a avaliação do aluno e a correção das provas? O
currículo deve mesmo estar concentrado apenas em habilidades? Há ênfase
excessiva em testes padronizados? Qual o efeito da troca diária de
professores para o estudante? Esse modelo funcionaria para outras
disciplinas? Se o objetivo é mesmo que esse modelo seja o “protótipo da
educação do século 21″, como anunciou o site da secretaria de Educação
de Nova York em 2009, esses e outros diversos temas, que desembocam na
filosofia educacional trazida pelo Teach to One para dentro da escola,
precisam ser debatidos.
Fonte: Revista Educação